Maturín é a capital do estado Monagas, na Venezuela. O petróleo é a pedra angular do desenvolvimento local, tanto que a cidade também é conhecida como a “Capital do Petróleo do Leste”. Foi de lá que veio para o Brasil a migrante Mônica Torrevilla, 37 anos, enfermeira. Ela chegou à cidade de Boa Vista, capital de Roraima, no início de 2018, em busca de emprego, comida e medicamentos, devido à escassez desses produtos e a hiperinflação em seu país. No Brasil, já trabalhou de cuidadora, empregada doméstica, babá e cozinheira. Voltou para a Venezuela para buscar os dois filhos, 12 e 03 anos. No retorno para Boa Vista a situação ficou mais difícil com duas crianças, não tinha condições de pagar o aluguel, água e luz, começou a vender na feira empanadas, arroz com leite e arepas (comida típica venezuelana), mesmo assim não dava, então, veio o convite de uma prima para viver na cidade de Bonfim, a 124 quilômetros de Boa Vista, a Leste do Estado, fronteira com a cidade de Lethem, na Guiana.
“Estou há cinco meses em Bonfim. Quando cheguei aqui me encantei, a cidade é bem calma, tranquila, eu gosto do clima e com quatro dias eu já comecei a trabalhar limpando a casa de uma senhora, também comecei a fazer pastel e vender churrasco de espertinho. Conheci outro senhor que vendia pastel na Guiana e me chamou para lá e eu fui lá vender pastel, aprendi um pouco de inglês, conheci outra cultura, trabalhei em um restaurante na Guiana, atravessava a fronteira todos os dias, a pé”, contou a migrante.
Bonfim é uma das sete cidades atendidas a partir desse ano com o cartão humanitário para alimentação a famílias venezuelanas em extrema situação de vulnerabilidade, uma ação emergencial de três meses, como forma de garantir a segurança alimentar dessas pessoas, promovida pela Cáritas Brasileira em parceria com a Cáritas Diocesana de Roraima. Na primeira fase do programa, de junho a dezembro do ano passado, foram cadastradas 800 famílias nos municípios de Boa Vista, Pacaraima, Amajari, Mucajaí e Rorainópolis. Em janeiro deste ano o programa foi renovado por mais três meses por meio da parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), uma Agência das Nações Unidas, desse modo, a ação foi estendidas a mais sete municípios de Roraima: Bonfim, Cantá, Alto Alegre, Iracema, Caracaraí, São Joao da Baliza e Caroebe.
“Quando chegou a ajuda do cartão humanitária eu comecei a comprar as minhas coisas para vender aqui e ficar mais perto dos meus filhos. Hoje eu consigo comprar trigo para fazer os pasteis, compro a carne, o frango, a polpa para os sucos, copo, óleo. Faço pastel, bolo, arroz com leite e coco, arepa. Estou me sentindo mais segura com essa ajuda”, disse Mônica.
A ex estudante de administração de empresas, Mariannys Padrino, 28 anos também foi uma das contempladas com o cartão humanitário. Na mesma casa vivem quatro famílias, três receberam o benefício. “Estou no Brasil há sete meses. Passei um mês em Boa Vista vivendo na rua com meus irmãos. Depois um deles foi chamado para trabalhar em Bonfim, fazendo diárias, mas hoje, todos nós viemos para cá. Meus irmãos mandaram trazer suas esposas e filhos e eu trouxe minha mãe e meu filho. Dividimos todos, a mesma casa, são 15 pessoas, entre elas, cinco crianças. Fazemos diárias e nossa renda mensal é somente de 300 reais. Com essa ajuda passamos a comprar arroz, macarrão, açúcar, leite, frango, carne e o mais necessário para as crianças”. Explicou.
A cidade fronteiriça passou a receber mais expressivamente a presença de famílias imigrante venezuelanas em julho do ano passado, quando alguns homens passaram a dormir da rodoviária, chamando a atenção da população. “Fomos até lá e percebemos que eles estavam muito necessitados. Estavam três dias sem comer, só comiam manga. Esse foi o início de tudo” contou irmã Lucélia Gatinho Baldez, missionária de Santa Teresinha, responsável de coordenar a Pastoral dos Migrantes naquele município. Ela explicou ainda que para ajudar essa população é feito um cadastro das famílias. “Depois a ONU chegou aqui para entregar kits famílias e colchonetes, então, começamos a ir de casa em casa para fazer o cadastro das famílias e formamos uma rede de informação. Hoje são mais de 90 famílias cadastradas e esse número pode ser maior, pois em algumas casas vivem até cinco famílias, aqui deve ter cerca de 500 pessoas venezuelanas”.
Com a ajuda humanitária emergencial da Cáritas em doze municípios de Roraima, atualmente são mil e duzentas famílias recebendo o apoio, mais de oito mil pessoas atendidas diretamente com o benefício, que funciona na modalidade cartão alimentação, onde cada família pode ir ao supermercado comprar alimentos e produtos de higienes, requisitos básicos para qualquer ser humano. Com escritório em Boa Vista, a equipe do Programa de Ação Emergencial é formada por uma assistente social, psicóloga, advogada e cinco educadores sociais, um articulador de monitoramento, um técnico administrativo e a coordenadora do projeto.
Para a assistente social, Nathanne Rosa, o trabalho da equipe é balizado na garantia de direitos, aceso a segurança alimentar e aos serviços essenciais da pessoa humana. “Por vivermos em um estado fronteiriço vivenciamos de forma visceral as particularidades das desigualdades econômico-sociais dessas famílias de imigrantes, o que influencia diretamente no acesso a direitos, em especial no campo da proteção social e dos direitos humanos. O quadro impõe desafios, mas ao passo que garantimos esses direitos, avançamos significativamente no protagonismo dos nossos beneficiários”, destacou.
Por Evilene Paixão, texto e fotos – Cáritas Roraima