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Seminário: “Direitos Humanos: Retrocessos, Avanços e Desafios”

Seminário: “Direitos Humanos: Retrocessos, Avanços e Desafios”

A ASA está participando das Rodas de Conversas preparatórias propostas pelo  Fórum da Sociedade Civil e de Entidades de Direitos Humanos, ligado a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, tendo em vista a realização do seminário que será realizado em novembro. A primeira foi no  dia 25/10 intitulada Café com Diretos Humanos no Conselho Regional de Psicologia e a próxima será na CNBB no dia 06/11.

No dia 28 de novembro no período da tarde e à noite, acontece  o seminário com o tema “Direitos Humanos: Retrocessos, Avanços e Desafios”. As informações devem ser encaminhadas para o Fórum de Entidades e serão apresentadas no referido seminário, em Florianópolis.

A organização do evento disponibilizou o texto base para aquecer os debates para o evento. Abaixo leia o texto na integra.

Texto base:

Democracia, Política e Direitos Humanos em tempos de acirramento do conservadorismo, discriminação e preconceito[1].

A democracia é um conceito político que se baseia na soberania do povo no exercício do poder. O que a diferencia de todos os outros regimes de governo é a criação e a consolidação da garantia de direitos. Pela democracia se define os deveres e as responsabilidades de cada um de acordo com a sua fase na vida e suas funções sociais. A democracia é um regime de governo e também um “modo de vida” que se orienta pelo respeito mútuo, pelo diálogo e pela participação solidária em prol do bem comum, em todas as relações sociais cotidianas.

Ao longo da década de 1980, o Brasil presenciou uma efervescência política com grandes mobilizações populares, greves, conflitos e extensos debates públicos que culminaram em um amplo acordo político, a Constituição Federal de 1988 (CF88). A chamada Constituição Cidadã que sela um pacto social no Brasil e oferece uma ampla garantia dos direitos individuais, coletivos e o mais completo conjunto de direitos sociais que o País conheceu, além de uma ampla cobertura da seguridade social, que se tornou um dos maiores programas de proteção social de todo o mundo.

Com a redemocratização do país, a partir da Constituição Federal de 1988, a sociedade define as áreas prioritárias e consequentemente, o investimento público para garantir acesso e funcionamento de qualidade. Exemplo é a seguridade social que garante o reconhecimento do direito a educação, saúde e assistência social a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, entre diversos outros que são fundamental para o bem estar-social.

Na saúde, por exemplo, o Brasil passa a ser o único País com mais de 100 milhões de habitantes que incorporou em sua Magna Carta o compromisso de ter um Sistema Universal de Saúde (SUS). A CF define em seu artigo 196, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. O SUS faz uma defesa do direito universal à saúde e não somente dos que contribuem com a previdência ou que podem pagar. Assim como com a educação, a importância dada à saúde pública e ao SUS na CF88 mostra uma priorização da área acordada pela sociedade brasileira à época da redemocratização e que, obviamente, demanda priorização de recursos.

Contudo, esse pacto social que estabelece direitos e deveres está entrando em colapso. Após o golpe impetrado pela onda conservadoras da sociedade, temos visto uma avalanche de retrocessos nos direitos de todos os brasileiros, direitos que conquistamos ao longo dos últimos sessenta anos. O projeto “ponte para futuro”, ilegítimo perante as urnas, tem desastrosamente se constituído num “de volta para o passado” submetendo o país a uma drástica redução da participação do Estado na garantia dos direitos sociais. Fatos como os que estão acontecendo precisarão de mais 20, 30, 40 anos para nos reconstruir enquanto nação.

Um exemplo disso é o novo regime fiscal instituído pela PEC 55. Ela estabelece que as despesas primárias do Governo Federal fica limitado por um teto definido pelo montante gasto do ano anterior reajustados pela inflação acumulada, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Assim, o novo regime fiscal implica um congelamento real das despesas do Governo Federal, que pressupõe uma redução do gasto público relativamente ao PIB e ao número de habitantes (devido ao crescimento da população ao longo dos anos). Em síntese o Brasil está submetido ao “pacto” da austeridade, ou seja, a uma política de longo prazo fundada na redução dos gastos públicos e do papel do Estado em suas funções de indutor do crescimento econômico e promotor do bem-estar social.

Por trás desta política de austeridade, não é a economia que está em jogo, mas sim os direitos sociais. A política neoliberal de diminuição do Estado é contraditória a democracia. Se o que sustenta a democracia é a garantia de direitos, com a diminuição do Estado esses direitos deixam de ser assegurados. Mas não é só isso, também ocorre à privatização do direito. Quando um direito é privatizado, ele se torna em um serviço a ser oferecido e regulado pelo mercado. Os direitos privatizados seguirão a lógica da “lei da oferta e da procura”. Nos períodos em que a oferta excede a procura, seu preço tende a cair. Já em períodos nos quais a demanda passa a superar a oferta, a tendência é o aumento do preço. Nessa gangorra, quando mais precárias forem as condições de vida, mais valorizada estes serviços estarão no mercado. Essa drástica redução da participação do Estado na economia é representativa de outro projeto de país, outro pacto social, que reduz substancialmente os recursos públicos para garantia dos direitos sociais, como saúde, educação, previdência e assistência social.

Um país que há pouco tempo investia em programas sociais para erradicar a fome, agora vê a sentença de morte cruzando a passos largos uma “ponte para o futuro”. A violência contra a mulher se tornou uma ameaça crescente, aumentando vertiginosamente o número de mulheres vítimas da misoginia e do machismo. Nessa crescente de ódio famigerado também se torna constante o encarceramento em massa e a dizimação da população jovem negra. A luta pela terra e em reconhecimento dos povos tradicionais e originários também encontra entraves proporcionados pela elite oligárquica golpista aliada aos grupos internacionais, causando diariamente prisões arbitrárias e morte destes cidadãos que lutam por trabalho e moradia digna.

As construções dos valores mais profundos do ser humano, como a paz, a democracia, a igualdade, se deram com enormes e duradouras lutas. Algumas delas, a custo de sangue. A democracia não é só o regime formal da lei e da ordem, ela é parte intrínseca da vida de todas as pessoas. A política que deve ser a mola propulsora do desenvolvimento para melhorar a vida dos brasileiros. Portanto, fazer política em uma democracia deve ser um modo prazeroso de resolver problemas, tanto quanto deveria ser um processo de efetivos resultados.

Os representantes que hoje estão no Poder tem usado o exercício da política para construir seus próprios benefícios. Por incrível que pareça, há quem seja contra a paz. Por incrível que pareça, há associações que se formam para combater a justa distribuição dos bens sociais. Para nosso espanto contínuo, o que vemos hoje é a liberdade sendo roubada ou manipulada por indivíduos, por governos ou pelos meios de comunicação a todo segundo. No entanto, mesmo com tantas contradições e lutas, esses e tantos outros valores foram incorporados ao rico espectro dos Direitos Humanos nos últimos cem anos como uma inexorável conquista do ser humano.

A construção dos Direitos Humanos é coletiva, e seus efeitos são enormes. Essa luta é tenaz e continuada. Não aceitemos que haja perda de liberdade em nenhum lugar. Não concordamos, em nossas práticas, que a justiça não seja praticada ou vivida. É no contexto que precisamos nos unir para mediar à construção viva do Direito de todos a serem Humanos e a experimentarem, a paz, a justiça, a liberdade, a tolerância e a educação!

[1] Texto adaptado [Sem democracia, austeridade é o novo “pacto social” brasileiro]. Por Ana Luíza Matos de Oliveira, Flavio Arantes e Pedro Rossi.