Por Marcelo Luiz Zapelini.
Sob uma tenda branca e ao redor de uma mesa coberta de quitutes, no monumento da Caixa d’água, construído em 1909, no Monte Serrat, uma centena de ativistas sindicais, sociais e da Igreja Católica reuniram-se para tomar um café da manhã comunitário e manter vivo o Grito dos Excluídos, em Florianópolis, SC, que neste dia da independência, 2017, chegou a sua 23ª edição, com o tema “Por direito e democracia, a luta é todo dia!”.
Na comunidade, que tem uma vista panorâmica do centro da cidade, o tema teve foco na juventude. O pároco local, padre Vilson Groh, vê o jovem como a solução para os problemas do país e não como um problema policial. Mais de 115 jovens foram assassinados este ano na capital, de acordo com religioso.
“Nossa discussão é trazer essa realidade invisível para uma visibilidade e para, a partir daí, começar uma luta na gestão pública local por políticas públicas para essa juventude. O Grito dos Excluídos hoje, para nós, é o grito do jovem assassinado. É o grito do jovem que está longe de um processo de ter vez e voz. Para nós, o grito tem o sentido de romper com a naturalização da injustiça e trazer a luta da justiça de novo na perspectiva das políticas públicas”, explicou o padre católico.
Pela Ufeco, Marcos Pinar, seguiu a linha de denúncia do dia: o poder público não valoriza as políticas públicas. Ele desejava que os agentes públicos responsáveis pelas coordenadorias de igualdade racial participassem de atos como o de hoje para dialogar com os negros, mas “a gente só os encontra para meter o pau, para dizer que a gente não presta. A gente só os encontra quando tem uma batalha de Rap, quando eles vêm para impedir a batalha de Rap, para fazer uma higienização da nossa cidade”, criticou.
Entre as falas e canções, aconteceu um sarau literário. Uma professora declamou uma ode ao imperador Dom Pedro I, que, segundo os versos, declarara a independência do Brasil corajosamente, enquanto a coroa portuguesa quereria fazê-lo escravo da metrópole.
Antes dela, a poetiza Nana Martins declamou poemas do livro “Cadernos Negros”, versos de protesto dessa população vítima de preconceito e discriminação. Em uma de suas leituras, ela desabafou sobre a difícil vida de educadora na periferia.
“Difícil é entrar numa sala de aula, olhar para 40 alunos o ano todo e saber que no final do ano algum deles vai morrer. Desde que me formei como professora há sete anos, todos os anos são três, quatro, cinco alunos que morrem. São alunos pretos e pobres e a gente sabe por que eles morrem”, refletiu Martins.
O fato de serem apenas algumas dezenas de participantes, em uma cidade que se aproxima dos 500 mil habitantes não desanimou ninguém, nem o padre, que olha com otimismo a atividade de hoje.
“Fazer pequenos grupos como a gente está fazendo aqui, com café, rearticulando, recuperando as nossas forças na continuidade da luta, é fundamental para enfrentar todos esses processos de hoje, do ponto de vista de colocar-se diante da realidade”, explicou Groh à reportagem do Portal Desacato.
Também não desanimou Carlos Eduardo de Souza, da Frente Brasil Popular. “Nós temos que voltar a semear. Ser novamente pescadores de almas e corações bons, que tem muito por aí, para entrar nessa luta, para garantir que as pessoas, crianças principalmente, que estão voltando a ter fome, para que não passem mais por isso”, indicou.
O grupo Teatro do Oprimido apresentou um esquete sobre a reforma da previdência, que fez previsões temerosas sobre o futuro. Muitos dos presentes não conseguiriam se aposentar com as novas regras, caso sejam aprovadas, como mostrou uma tabela de contribuição trazida pelos artistas.
Na falta de aposentadoria e para não deixar o samba morrer, um grupo de veteranos da escola de samba Copa Lorde, uma das mais tradicionais da cidade, interpretou sucessos do carnaval e a turma dançou a valer, que ninguém é de ferro.
No final, todos anotaram nomes de jovens assassinados e “gritos” que persistem na realidade atual, colocaram dentro de balões brancos e sopraram. Eles foram amarrados a um barbante comprido. Em círculo e de mãos dadas cantaram a antiga canção religiosa “Pai Nosso dos Mártires”. E, se primeiramente, Fora Temer, por último também, e assim se despediram.
Em mutirão, levaram as cadeiras plásticas até a paróquia no outro lado da rua. Também foram levados os balões, para que fossem usados em uma celebração comunitária mais tarde. Assim caminha a história na mística do povo: os gritos de uns permanecem como um grito para os outros.
Fonte: http://desacato.info/
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